Publicado em 1 de dezembro de 2020 por Barroso Advogados

COVID 19 – DOENÇA DO TRABALHO?

Dr. Guilherme Fernando de Almeida Moraes

 Advogado, Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho – EPD-SP, Professor Assistente na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo – Prática em Direito do Trabalho, Associado em Barroso Advogados Associados.

 

É notório a todos que a pandemia da Covid-19 afeta a generalidade dos aspectos de nossas vidas, entretanto, o mundo laboral foi certamente um dos mais impactados, proliferou-se a utilização do teletrabalho devido as medidas de isolamento e flexibilizou-se algumas leis trabalhistas, possibilitando situações antes impensáveis, como a redução da jornada de trabalho e a prorrogação do pagamento de benefícios como o terço constitucional referente as férias.

Ante este cenário, diversas são as dúvidas que surgem dentre os empregadores, sem se saber ao certo quais medidas estes devem tomar para resguardar a si e a seus empregados, dentre as incertezas, uma das mais relevantes é o enquadramento do corona vírus, para fins laborais e previdenciários, afinal, Covid-19 é ou não doença do trabalho?

A classificação da Covid-19 como doença do trabalho pode impactar severamente as partes do vínculo empregatício, caso haja o enquadramento, pode gerar auxílio doença acidentário, ensejando a estabilidade de emprego, nesta hipótese o empregado contaminado pode pleitear danos morais e matérias em face da empresa e caso evolua á óbito, a empresa é responsável.

Prevendo a grande discussão acerca do tema, a Medida provisória 927, publicada em 22 de março de 2020, estabeleceu em seu Art. 29 que os casos de contaminação pela Covid-19 não serão considerados ocupacionais, salvo se comprovado o nexo causal.

O artigo mencionado detém uma natureza negativa, ou seja, a regra é que a Covid-19 não é doença do trabalho, sendo a sua exceção o reconhecimento desta através da comprovação do nexo causal com o emprego, é seguro estabelecer que a intenção do legislador ao redigir o texto foi a de limitar o reconhecimento da Covid-19 como doença do trabalho, reduzindo a possibilidade de incidência.

Ocorre que, no dia 29 de abril de 2020, o STF, incitado a se manifestar por diversas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI 6342, ADI 6349 e ADI 6354), decidiu por anular o mencionado Art. 29 da MP 927, a decisão suspendeu o efeito do dispositivo por este não ser compatível com a finalidade da medida provisória, sendo ressaltado pelo ministro Alexandre de Morais que a regulação ofendia inúmeros trabalhadores expostos ao risco.

A decisão gerou dúvidas quanto ao enquadramento da Covid-19, teria o STF reconhecido que a contaminação é considerada como doença ocupacional independente do nexo causal?

Aquecendo ainda mais a discussão, no dia 1º de setembro foi publicada portaria pelo Ministério do Trabalho que atualiza a lista de doenças relacionadas ao trabalho (LDRT), incluindo a Covid-19 em seu rol, no entanto, diante a celeuma gerada, a alteração foi tornada sem efeito no dia seguinte, 2 de setembro de 2020.

Sem regramento específico, não há clareza em enquadrar a Covid-19 como doença do trabalho, não se podendo vislumbrar como acertado assumir que exista qualquer espécie de presunção, seja a favor ou contra o enquadramento da moléstia como doença ocupacional, ante as incertezas, é necessário se debruçar sobre o caso concreto.

Foram estabelecidos rígidos protocolos de saúde para a abertura dos estabelecimentos públicos, de escritórios a comércio e hospitais, cada ambiente requer um nível de cuidado e de preparação para o seu funcionamento, o fato do empregador obedecer ou não aos protocolos já é medida balizadora para o enquadramento da doença.

Trata-se de situação muito semelhante a aferição de salubridade do ambiente laboral, nestes casos, o fornecimento efetivo de EPI´s, existência de protocolos de uso dos espaços e a redução dos riscos que o ambiente oferece ao trabalhador podem tornar salubre ambiente de trabalho que antes era insalubre, elidindo o dever de pagar o previsto adicional.

Caso o empregador adote todas as medidas de segurança, higiene e distanciamento que as instituições públicas determinam, vê-se como impossível o reconhecimento de doença ocupacional sem a verificação efetiva do nexo causal.

Aspecto interessante da discussão recai sobre o ônus da prova, a quem compete o dever de provar ou não a existência de nexo causal quanto a contaminação? Não se vislumbra razoável que o ônus recaia inteiramente ao empregado, vez que é certo que o empregador detém o controle sobre o ambiente de trabalho, tendo o dever de zelar por seus empregados, entretanto, a simples inversão do ônus para que o empregador demonstre não haver nexo causal é claramente injusta, não se podendo inverter o ônus para atribuir o dever de produzir prova negativa.

Assim sendo, como já destacado, cabe ao empregador comprovar que tomou todas as medidas de segurança, obedecendo aos protocolos de saúde impostos pelas autoridades públicas, em se comprovando a adoção destas medidas e o fornecimento efetivo de EPI´s, desincumbe-se o empregador da prova, recaindo sobre o empregado o dever de comprovar que restou exposto a doença no ambiente de trabalho.

Neste diapasão, é de maior relevância a análise do ramo de atividade do empregador e de como é o ambiente de trabalho, a título de exemplo, hospitais e concessionárias de transporte coletivo aumentam demasiadamente a chance de contágio daqueles que lá estão, e, desta forma, deve o juiz levar este aspecto em consideração no momento de proferir sua decisão, podendo ainda lhe socorrer o perito médico neste quesito.

Importante destacar ainda a lei 8.213/91 em seu Art. 20, §1º, inciso d, onde consta que não se considera como doença do trabalho “a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho”, necessário ressaltar que a Covid-19 não se enquadra no referido dispositivo, tendo em vista seu caráter pandêmico.

A título de esclarecimento, enquanto a endemia ocorre em casos controlados a uma região, a pandemia se trata do pior dos cenários possíveis, atingindo a todo o globo.

Logo, não existe resposta simples quando a questão é se a Covid-19 se enquadra como doença ocupacional ou não, é necessário analisar a caso concreto para fazer essa aferição, sendo certo que o empregador tem o dever de zelar pela saúde de todos os seus empregados, restando responsável caso a sua desídia gere a contaminação do trabalhador, todavia, não se pode presumir a sua responsabilidade, tomando o empregador todas as precauções impostas pelas autoridade, é necessário que o empregado comprove de maneira efetiva que esteve exposto ao vírus no ambiente laboral para que se considere a existência de doença do trabalho.

Por se tratar de assunto relevante e atual, é possível que novas leis ou regulações surjam sobre o tema, sendo recomendável se manter informado para saber quais serão os próximos capítulos dessa novela jurídica.

 

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